sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Do píer de Ipanema ao Waimea 5000


Rosaldo Cavalcanti fala sobre o início dos mundiais de surf no Rio de Janeiro – A época dourada do surf carioca.







O Rio é uma cidade famosa pela beleza de sua geografia. Pela exótica paisagem que mistura mar e montanha. Pelas suas praias. Não foi por acaso que durante os últimos 50 anos o surf cresceu e se popularizou entre os jovens brasileiros. Inicialmente na Zona Sul carioca, depois pelo resto do Brasil. Hoje o surf é um dos esportes mais praticados no litoral brasileiro.

Não se sabe ao certo quando o surf foi praticado pela primeira vez no Brasil. Acredita-se que foi antes da Segunda Guerra Mundial, em Santos, no litoral paulista. Mas foi somente a partir da segunda metade dos anos 50 que o surf passou a ser praticado com frequência nas praias do Rio de Janeiro por jovens que se transformaram nos verdadeiros pioneiros do “esporte dos reis” no Brasil.

O RIO DE JANEIRO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

A partir da segunda metade do século XX, o jacaré (surf de peito), o mergulho e a caça submarina eram os esportes mais praticados no Arpoador. Gente como Antônio Carlos Jobim, Kabinha, Rudolf e Bruno Hermany, Paulo Saboya, Paulo “Preguiça”, Celso Fontenelle, Abel Gazio, Paulo Amaral, Mariozinho de Oliveira e Paulo Soledade, uma turma formada por jovens atléticos e bonitos, já frequentava o Arpoador, uma espécie de paraíso carioca no pós-guerra.

Ao contrário de lugares como a Califórnia e a Austrália, onde os salva-vidas foram os pioneiros do surf, no Brasil foi uma turma de mergulhadores que frequentava o Marimbás, um clube de pesca que fica no Posto 6 de Copacabana, que passou a praticar o surf com certa regularidade.

O fato é que entre 1955 e 1963 o Arpoador foi o maior laboratório de costumes da cidade do Rio de Janeiro, onde tudo, ou quase tudo, foi experimentado

 Por volta do início da década de 60, os “locais” do Arpoador eram nomes como Arduíno Colasanti, Yllen Kerr, Roberto Menescal, Marcos e Paulo Sérgio Valle, Mário Bração, Piuí e Fernanda Guerra, entre outros. E o surf estava se tornando o esporte mais popular entre os jovens cariocas. A Bossa Nova era uma música jovem, diurna, de frente para o mar, e esse espírito solar era a cara do Rio e do Arpoador daquela época.

Em 1964, o Arpoador já era o centro do surf no Brasil.
Lugar onde se encontravam os melhores surfistas. Essa mistura entre jovens, surfistas e intelectuais criou um ambiente heterogêneo e libertário que se fundiu para formar uma nova linguagem e uma nova tendência de comportamento.

O PÍER DE IPANEMA, O TROPICALISMO E O SURF

O Píer de Ipanema foi uma espécie de apêndice da praia do Arpoador. Sua construção teve início em 1968, coincidentemente o mesmo ano em que foi lançado o álbum Tropicália ou Panis et Circenses, considerado o manifesto musical do movimento tropicalista. Teatro, música e cinema, entre outras formas de arte, como a poesia concreta e as artes plásticas, floresceram capitaneados pela turma que frequentava o Píer.

O músico Caetano Veloso, o artista plástico Helio Oiticica e a atriz Regina Casé foram frequentadores assíduos do Píer e se tornaram ícones do Tropicalismo e daquela faixa de areia que teve suas dunas batizadas de “Dunas do Barato”, ou “Dunas da Gal”, em homenagem à cantora Gal Costa. Entre 1970 e 1974, a “turma do Arpoador” se mudou para o Píer, onde passaram a quebrar as melhores ondas do Rio.

Considerado um território livre em plena ditadura militar, o Píer de Ipanema foi palco de uma revolução de costumes, onde surfistas, gatinhas, artistas e doidões se misturavam ao som do hino “É proibido proibir”. O verão de 1972 marcou o auge do Píer e ficou marcado como o “Verão da Contracultura”. No mesmo ano foi disputado no Píer um campeonato de surf que entrou para a história como o primeiro da era moderna do surf brasileiro.

A partir da segunda metade dos anos 70, o surf começou a se profissionalizar. Em 1976, foi criado o Primeiro Circuito Mundial de Surf, com provas disputadas em lugares como Austrália, África do Sul e Hawaii.

No Brasil, o surf se espalhou pelo resto do país. Mas o Rio ainda era o centro nervoso, onde estavam os melhores surfistas, os principais fabricantes de pranchas e as ondas mais famosas. Saquarema já havia sido descoberta, mas era no Arpoador que todos se encontravam. Onde tudo, ou quase tudo, acontecia.

OS MUNDIAIS E O WAIMEA 5000

Em 1976, o Brasil foi escolhido para sediar uma das provas do Primeiro Circuito Mundial de Surf. Foi graças a um carioca visionário chamado Nelson Machado, dono de uma surf shop chamada Waimea, que ficava na Rua Montenegro, em Ipanema, que o Brasil entrou para o mapa do surf internacional, sediando uma das provas do recém-criado Circuito Mundial.

Por conta da premiação de 5 mil dólares, a prova brasileira foi batizada de “Waimea 5000”. Entre os anos de 76 e 82, foram disputadas seis edições do “Waimea 5000”. Todas elas tiveram o Arpoador como palco principal, mas as finais de 77, 78 e 82 foram, respectivamente, disputadas no Quebra-Mar, na praia do Diabo e na Prainha. Os cariocas Pepê Lopes (1976) e Daniel Friedman (1977) venceram duas das seis edições do “Waimea 5000”. Sendo que Pepê foi vice-campeão em 1977, tornando-se o primeiro, e único, surfista brasileiro a fazer duas finais seguidas da etapa brasileira do Circuito Mundial.

Além de Pepê e Daniel, outros três surfistas brasileiros disputaram as finais do “Waimea 5000”: Ismael Miranda (1980), Valdir Vargas (1981) e Roberto Valério (1982). No final das contas, os brasileiros chegaram a cinco finais. Apenas em 1978, quando os australianos Cheyne Horan e Peter Townend se enfrentaram na final, e Cheyne, com apenas 18 anos, conquistou sua primeira vitória no Circuito Mundial, foi que um brasileiro não chegou à final do “Waimea 5000”.

Surfistas como Cauli Rodrigues e Frederico d’Orey – semifinalistas em 78 e 82, respectivamente – também deixaram seus nomes gravados na história graças a performances que jamais serão esquecidas. O que prova que nossos surfistas já estavam entre os melhores do mundo naquela época. O “Waimea 5000” foi disputado pela última vez em 1982, quando o Brasil deixou de sediar uma etapa do Circuito Mundial de Surf. Fato que só voltaria a acontecer em 1986.

UM BREVE RETROSPECTO DO WAIMEA 5000

1976 foi o primeiro ano do circuito mundial de surf. Mais de dez etapas foram disputadas em diferentes países do mundo. No final do ano, o australiano Peter Townend recebeu o troféu no Hawaii e foi declarado o primeiro campeão mundial de surf profissional. Naquele ano, Pepê Lopes foi o campeão da etapa brasileira – a primeira vitória de um brasileiro no circuito mundial de surf – e chegou à final do Pipeline Masters. No final da temporada, Pepê foi o único surfista brasileiro entre os 30 primeiros colocados do ranking mundial de 1976.

Em 1977 as primeiras fases da prova brasileira foram disputadas no Arpoador, mas a final foi realizada no Quebra-Mar. Pela primeira vez dois surfistas brasileiros – os cariocas Daniel Friedman e Pêpe Lopes – disputaram uma final do mundial. Naquela temporada, o sul africano Shaun Tomson conquistou o título mundial. O carioca Daniel Friedman ficou entre os top 30 e foi o surfista brasileiro mais bem colocado no ranking.

Em 1978, os australianos Cheyne Horan e Peter Townend disputaram a final do “Waimea 5000” na Praia do Diabo. Cheyne, que na ocasião tinha apenas 18 anos, conquistou a primeira vitória da sua carreira. Na temporada 78, os australianos reafirmaram sua supremacia no surf mundial: Wayne “Rabbit” Bartholomew foi o campeão mundial.

Em 1979, pela primeira vez em três anos, o “Waimea 5000” não foi disputado e o Brasil deixou de sediar uma etapa do circuito. Naquele ano, o australiano Mark Richards venceu quatro etapas e conquistou seu primeiro título mundial de surf.

Em 1980, o “Waimea 5000” foi disputado com boas ondas no Arpoador. Apesar do campeão ter sido Joey Buran, o ‘Californian Kid’, os brasileiros tiveram uma excelente atuação. O carioca Ismael Miranda chegou até à final. Antes, Miranda eliminou Roberto Valério numa semifinal 100% brasileira. No final daquela temporada, o australiano Mark Richards conquistou seu segundo título mundial. E Ismael Miranda e Roberto Valério foram os únicos brasileiros entre os top 30.

Em 1981 um flat no litoral carioca obrigou os organizadores a transferir o campeonato do Arpoador para a Prainha. Nas oitavas de final, Fred d’Orey e o sul africano Martin Potter, que tinha apenas 15 anos e era a “nova sensação” do circuito, se enfrentaram na melhor bateria do campeonato. Fred eliminou Potter, que estava surfando muito e vinha embalado por duas finais seguidas na África do Sul. Mas numa semifinal de poucas ondas e muitas emoções d’Orey acabou eliminado por Valdir Vargas.

Os australianos Cheyne Horan e Mark Richards, os dois maiores rivais daqueles tempos, se enfrentaram na outra semifinal. Horan levou a melhor e acabou derrotando Valdir Vargas na final. Foi a segunda vitória de Cheyne no Rio de Janeiro. No final das contas, os australianos dominaram mais uma temporada que acabou com Mark Richards tricampeão. Valdir Vargas foi o único brasileiro a acabar a temporada 81 entre os top 30.

Em 1982, apesar de o carioca Roberto Valério ter chegado à final, os brasileiros não repetiram as boas atuações dos anos anteriores. O goofy footer australiano Terry Richardson foi o grande nome do “Waimea 5000” de 82. Nas quartas de final, “Richo” eliminou Fred d’Orey antes de derrotar Roberto Valério na final. Nesta temporada, mesmo tendo vencido três etapas, uma a mais que Mark Richards, Cheyne Horan foi mais uma vez vice-campeão mundial.

A quarta vez em cinco anos. Por outro lado, Mark Richards conquistou seu quarto e último título mundial. A temporada de 82 entrou para a história como a primeira na qual dois futuros campeões mundiais, o americano Tom Curren e o australiano Tom Carroll, conquistaram suas primeiras vitórias no circuito. E Roberto Valério foi o único surfista brasileiro há acabar o ano entre os top 30.



Por: Alma Surf

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